domingo, 29 de julho de 2007

COÁGULO #19

A batalha será bela eu, sozinho,
contra toda a humanidade.
(Lautréamont)

à Lucas Leal dos Reis

Sonho:
é-me tarefa laboriosa encarar a realidade do jeito que os homens a conhecem. Todos os meus segredos guardados numa caixa de giz. Seguir modelos ou regras, ?desagregado lhe pareço: desregrado por excelência, por conveniência vadio, vagabundo jamais. Outros dias atrás e tinha um trampo, mas o que houve? Já nem lembro qual foi o motivo: sempre correndo atrás, como dizem por aí... – Papo furado, uns cigarros, uns poucos trocados no bolso farreado de fartura imaginária. Beleza inquieta, porém cruel com o rigor que a vida lhe vale: olhar meigo para o canto da casa: talvez vazio. – Por isso, nada. Por essas e outras? Oras! É na faixa! Mais uma volta, mais uma vez e lhe vem a idéia: violência, uma dor imatura: desejos à flor-da-pele: espinho escaldado no estigma de ser. Um qualquer, mas um. Aceita-te? Paciência, ocorreu-me um instante: dor, oras a dor? É incalculável gozo. Terror nuns lábios mal sarados: reflete um instante ou dois, titubeia. Ocorreu-me o seguinte:
Se escarro na rua ou cometo um delito, qual é o mais bonito? Excelente jogada, mas uma péssima interpretação das circunstâncias, como se chamasse novamente à tona do lodo alto, do lado infeliz de se enxergar a desgraça, mesmo que não a nossa: bela tentativa, da amargura: seus desejos são seus, basta guardá-los. Mas não é simples assim: onde amargo meus delírios? No breve e inconstante lenitivo, sempre: a dor. Mesmo que alheia, não me importo: incorpora-se um medo de tudo, é incrível. Mas basta, ou não. Até quanto?
Mas quando tal desejo não sacia e excede? Terror e cansaço tomam por si forma útil: a doença, o descaso pode ser um flagelo amável às vistas dos que o cercam. Sentir pena do próprio gozo que tanto fere, porém necessário, mesmo que para existir apenas. Máculas danadas assolam também à vista de um corpo quase intocado, mas que se putrefaz por desleixo e dever, cobrando da carne o mais sereno segredo.
Por hora insisto em saber, mas é inútil. Vencido pelo medo da palavra, ainda que agregada à gratidão, à grandeza... não era possível estabelecer comunicação qualquer que se faz: por hora desisti.
Um instante, e tento convencê-lo que o saber se faz necessário: - Eu sei, também estive lá: as horas passam flagelando o lindo encanto, e a aurora, ainda acesa, se desfaz em lágrimas sinceras, um pouco suadas, mas existem – ainda que como uma maldição terrível, ou uma insistência acaso superada. A glória de uma remota lembrança entre risos e carícias platônicas: o medo de ser tocado: alguém que espreita a beleza mal-cuidada, a beleza encoberta que respira sempre que citada ao menos: o lodo lava a arrogância espessa. Espero e não sei mais o que fazer neste minuto que se passa.
Verborrasga mais quatro instantes antes de se decidir diante daquilo que o mentém cativo: convívio inútil o meu: não perceber que eram apenas pétalas caídas, o chão já sujo, era hora de levantar-se dalí e fazê-lo calar, mas mais uma vez me convencera: o ódio é cego: divirta-se com seus desejos impossíveis: regozige do lixo: sorria com dentes podres para a beleza. Sofro, mas ninguém precisa saber.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

À Imagem a Palavra

Não se sabe ao certo se por culpa da foto o texto nasceu ou foi o contrário, pois nem Simone, a autora da foto e nem eu sabíamos da existência de tais obras: ócio exposto ao infinito.

Unir fotografias e textos é nossa ambição antiga, creio que esta modesta publicação é apenas a feliz demonstração de outras profícuas obras neste formato.

NUVEM FLUORESCENTE

Acabaram-se os redutos atômicos: na ave que voa vacilante entre algo-dões carregados e cargas cinzas cintilantes. É tarde, se ouve os cantos silábicos dos pássaros pousando em pontas de postes. Nuvem em que o sol se esconde, esta, por sua vez, fecha-se em cercos: sigilam-se em sustenidos notados no chão.

domingo, 1 de julho de 2007

RUA DOUTOR UBIRATAN DE CAMARGO E MACHADO

Andando todo dia entre as nuvens e um pensamento vazio e invisível, desprezando passos, somente a correnteza o leva para longe daqui ou onde não se sabe. Quando aquieta, afinal, pára ali mesmo num canto qualquer enquanto reflete sobre o susto que não teve ou alguma dor encalacrada nalgum canto desta beleza pura, mas inquieta. Diluindo encantos em leves pés, encontra-se agora um pouco mais longe, talvez uns vinte metros do ponto de partida.
Seu rubro rosto encoberto por uma sombra que o sol não atinge, ante dois nós: uma esquina e um percurso incompleto. Se de soslaio sai, cai. Ou então: portas e janelas indivisíveis entre o vento e o terceiro poste adiante. Marcando cantos suspensos em suspiros e suaves tentações de parar ou desistir de tudo ali mesmo. Mas sequer esmorece: tempo todo num só ritmo: cadência.
Um pouco além e o corpo pede água, naturalmente: sentido e prazer mesclam-se: um sorriso o assusta, mesmo sem sentido. Dae de beber a esta criatura desolada e de solas gastas: pura criação e desejo irrefreável: já não gera outra atividade senão esta: passo-ante-passo, sempre - e um suspiro vez por outra, mas nada sério: algum desagravo sem graça: dor nenhuma, apenas passos.
Entretanto quando anoitece sua feição desflora e finda mais um pequeno estágio da longa trajetória: pousa em qualquer um que lhe aceite: sem muitas palavras, claro. A confiança absoluta naquele que de longe chega a qualquer momento oportuno: por hoje: só chega.
Encanta-se, por um tempo, com qualquer paisagem alheia, ou outro rosto amargo: sorri e continua a sina sem paradeiro, quase sem parada: é sempre assim: algumas flores no caminho, ou chuva ou tarde sol insolado, mas o tempo não lhe escapa os dedos enegrecidos: areia funda nos pés calejados: fura terra com seus passos flutuantes. Desespero calado e propício de felicidade solitária: saudades soldadas. Andando todo dia entre nuvens.